Wednesday, May 31, 2006

O bigode

Do alto da sua experiência de vida, a minha mãe defende um ponto de vista preconceituoso àcerca dos homens de bigode. Acha-os indignos de confiança e ainda que sejam a marca de uma geração de homens, a verdade é que nos projectamos na imagem que de nós criamos. Enquanto rumino estas primárias desconfianças, vejo aparecer na televisão o bigode farto do nosso ministro da agricultura Jaime Silva. Por entre os bigodes lá vai dizendo que os contestatários, os malfadados, são um milhar de previligiados que come da mesa do orçamento sem produzir.
Será mesmo preciso irmos contá-los?
Deixe-se de fitas senhor ministro! Do que se trata é apenas de ser-se pessoa de bem! Do Estado que representa, respeitar os compromissos que assumiu com milhares de agricultores que investiram, com base em algo que havia sido dado por garantido. É só isso de que se trata, do Estado se comportar como pessoa séria. O resto, a justeza ou não do modelo vigente, isso é outro assunto que até pode ser discutido.
Agora este bigode não irá inspirar saudades pelos campos de Portugal . Seria uma excelente medida agro-ambiental, mandar o ministro á fava, com o devido respeito.

Retrato


Eis-me nos dias que correm.

O ano pródigo

O amarelo já há muito que tomou conta do nosso olhar sobre os campos do Alentejo. A cresta vai a meio, a colheita tem sido generosa, o ano pródigo. Mas os anos bons também encerram os seus perigos, ninguém tem pressa de comprar, os preços caiem, afinal ..... há muito!
Toda a natureza é pródiga, as perdizes criam grandes bandos de perdigotos, a zorra tem muitos raposinhos para criar e ronda as capoeiras, os coelhos pela via demográfica vão vencendo as morrinhas, os barrancos ainda são o oásis de humidade no estio que já chegou. E eu, como de costume, prometo grandes cometimentos no ano que há-de vir e pelo qual já anseio.
Para o ano é que vai ser......

Saturday, May 27, 2006

Mão morta

Eu cá até gosto da bola, mas com estes não vou à bola.
Tenho à porta de casa o estágio da selecção nacional de futebol, e com ela chegou a romaria dos simples, em busca do vislumbre dos ídolos, de um sorriso, uma história para contar. Chegam aos magotes, com bandeiras e crianças, gritaria e muita paciência, para esperar a partida ou chegada do autocarro, transportando as estrelas deste universo de sonhos comezinhos. Nada de anormal aqui, a não ser a indiferênça dos passageiros do autocarro da selecção, incapazes de um sorriso, de uma interacção simples com aqueles que os aguardam.
São divindades passeando-se por entre alamedas de ácaros.
Um dia um qualquer jogador esboçou um frouxo gesto de cumprimento de trás dos vidros do autocarro, grande acontecimento este para o meu filho de seis anos, àvido de um gesto de gente, e logo lhe chamou o "Mão morta", pois o aceno parecia estar para morrer.
Com a antipatia destes nossos "embaixadores", fácilmente se reparou na simpatia da selecção de Cabo Verde, esfusiantes de acenos e sorrisos, esbracejando a quem por eles passava.
Da passagem dos nossos por aqui, fica o ar enfadado, afectado do clima dos actores principais desta trági-comédia futebolistica, e a romaria de gente , a querer ficar na fotografia de uma história que dificilmente acabará bem, desportivamente. Cá em casa ficaram baptizados de "Os Mão morta", assim me perdoe o Adolfo Luxúria Canibal, muito mais interessante do que estes cromos da bola.

Sunday, May 14, 2006

Filho de um tempo em Portugal

O Beto trabalha a montar ar condicionado e precisei dos seus serviços. Na hora das apresentações, estendeu a mão e anunciou-se Hélder. Mas como Beto, se é Helder? Ele vai daí e contou. Naquele tempo, já lá vão quarenta anos, as pessoas não tinham pressa de registar os recém-nascidos e os pais demoraram meses a ir ao registo cívil dar conta do nascimento e da graça da criança. Logo à nascença, ocorrida na casa da aldeia, lhe chamaram Humberto e toda a vizinhança lhe diminuiu o nome para Beto. Assim ficaram toda a vida , indiferentes ao pormenor menor, de tal nome ter sido rejeitado aquando do registo na conservatória. O zeloso funcionário da altura, ao ouvir a pretensão de chamar Humberto à criança, logo lhes disse que tal não podia ser, escolhessem outro nome, talvez Hélder, que Humberto já bastava o Delgado. E assim temos hoje um Hélder que continua sendo Beto e não sabe lá muito bem quem foi o general Humberto Delgado, assassinado pela PIDE no ano de 1965, o ano do seu nascimento.

Saturday, May 06, 2006

A descer

Lusco fusco



Era quase noite.

Na beira das Beiras

Ontem fui respirar o ar do granito.
Por terras beirãs , barrocais agrestes virados a Castela, cheiro a pinhos, as maias a amarelarem os horizontes. Tenho pena que estas terras fiquem longe na minha vida. E os amigos que eu lá deixei, nos recônditos da minha história.

Thursday, May 04, 2006

Morena

bela morena
o sono perfeito da minha vida és tu
o abandono do corpo consumido no teu lume.
Os teus olhos
frutos de outono
a minha companhia.

Wednesday, May 03, 2006

Passar-lhe a mão ao de leve



É ano de boas searas. É um ano raro, daqueles que nem por encomenda. O agricultor, como o apicultor, normalmente espera o pior. Não este ano. No nosso clima, dizem os entendidos, a cultura cerealífera está condenada pelo clima, pelo "mercado". Mas os alentejanos continuam, são uma espécie de" irredutiveis gauleses", continuam a semear, por hábito, conservadorismo, mas também por sentimento. O trigo é também um sentimento, faz parte da história de um povo. Desafiando a racionalidade económica, semeia-se porque é uma beleza ver uma seara de trigo, com as suas espigas, ondulante ao vento. E passar-lhe a mão por cima. Não há economistas que entendam isto lá do labirinto dos seus gabinetes.