Thursday, November 30, 2006

A cozinheira

Ao passear-me por esta prosa sumarenta, avivou-se-me a memória incompleta da Noémia. Chegou muito nova a casa da Dona Isabel, minha avó, de temperamento doce e olhos de azeitona verde. Nunca se lhe conheceram amores, nem vida própria, apenas uma irmã, casada, na sua vida, e sobrinhos a quem era dedicada. Gastava os domingos de descanso acareando roupas usadas que alguém dava para distribuir por outros alguéns. Era seca de carnes e macilenta de cores, voz algo nasalada. Estava destinada a ser tia de sobrinhos cada vez mais afastados da tia, criada de servir, casada com uma família, habitante de um qualquer quarto dos fundos, sentinela vigilante do bom governo de uma casa.
Assim passaram os anos. Com a morte da Dona Isabel, passou em herança para a casa do filho mais novo, o "senhor engenheiro", em começo de vida com a sua segunda esposa. Mais anos passaram e com eles emigrou para fora de Portugal, acompanhando a luxuosa emigração de um engenheiro reputado. Aprendeu a falar um inglês rudimentar, de modo a bem governar uma cada vez mais luxuosa casa. Os anos seguiram implacáveis, a sua vida foi uma sombra na família até passar a não ter outra. Os dias de folga passaram a ser um transtorno supérfluo. Ao fim de dez anos voltaram a Portugal e compraram uma casa absurda na Linha. Parecia uma casa museu do luxo, um Palace Hotel . Assistiu à impotência do "senhor engenheiro" na sua luta quotidiana com a fatalidade do saldo bancário. A senhora mantinha-se impávida e serena perante o descalabro, numa casa aonde não faltavam doces conventuais à sobremesa e eram frequentes as novidades de decoração e mobiliário. A seguir chegaram os credores, a vergonha de dever a tudo e todos, as portas a fecharem-se umas atrás das outras. Finalmente o "senhor engenheiro" cruzou-se com uma mulher fatal que conhecera há já trinta anos e por ela largou a família e a casa , na esperança de escapar à insolvencia para viver aos sessenta e tal anos o seu idílio. A senhora ficou sem dinheiro nem recursos, apenas com uma mansão para vender por qualquer preço honroso. Durante longos meses, aquela casa manteve-se, mais as suas faraónicas prestações bancárias, bem como todo o seu recheio e faustosos vícios, com a poupança de uma vida de empregada de servir . Ela fazia avios de comida, pagava as contas, enquanto a senhora lá por casa se arrastava , destilando amarguras e vivendo como uma rainha sem trono. Lá chegou o dia em que a patroa arranjou comprador, vendeu, e desapareceu da vista de credores e parentes, com o remanescente da antiga prosperidade.
Da Noémia não sei mais nada. Se a patroa não se desfez dela como da casa, lá estará no seu lugar, ultimo tripulante desde titanic familiar.

Sunday, November 26, 2006

Queria de ti um país de bondade e de bruma
queria de ti o mar de uma rosa de espuma

Mário Cesariny

Friday, November 24, 2006

Nas oliveiras

Aos domingos apanho azeitonas. É este o meu desporto outonal entre aguaceiros.
Encarrapitado nas oliveiras, esticados os braços no trânsito arbóreo, eis-me de regresso à condição de primata recolector. No alto das árvores a percepção da paisagem é outra, a disponibilidade mental a falar para dentro impôe a sua respiração própria. Aprecio o correr languido das azeitonas por entre os dedos, os punhados delas, vozes longinquas que batem às portas da memória. O meu vizinho da bufarda, a falar no "fruto que Deus dá", ele que não entrava numa igreja. O meu pai que tirava férias para militar na causa do olival. Era um dever apanhar até á ultima, no meio das ervas ou no ar . E nisso era suave tal como faláva. Dizia da sensualidade das azeitonas, ao correr da mão. Respeitava, ainda que perturbado, o meu vigor juvenil, de vara na mão a varejar. Preferia o silêncio que eu agora reconheço, enquanto vejo o azul da brisa por entre as ramagens.
Neste silêncio eu sei de onde venho.

Será desta?

Gostei de saber o primeiro ministro e vários dos seus ministros, a degustarem um almoço de produtos biológicos na Companhia das Lezírias. Foi um bom sinal para o país e, para quem quiz ver, um sinal de que talvez, finalmente, vai haver apoio e investimento publico na agricultura biológica. Espero que seja desta.

Monday, November 13, 2006

PNS


Évora é uma cidade que apela à fotografia e atrai fotógrafos. O Paulo Nuno é grande, e às duas por três, presenteia o mundo com uma destas.

Thursday, November 09, 2006

Edital

Sábado dia 11, pela manhã, o apicultor vai á Biocoop mostrar o mel bio e dá-lo a provar. Estão convidados os amigos(as) e os visitantes curiosos de tal colheita.

Tuesday, November 07, 2006

O medo

Meu caro JPN:
Guardo da angustia uma memória vertiginosa, o abalo do corpo, um calcorrear desencaminhado para nenhures. Lembro-me do esquecimento da mecânica dos movimentos, o querer ser algo, capaz de qualquer acção, e não poder. Não saber se vivo, ou outra coisa qualquer. E aquilo não parar, nem imaginar outro estado de ser. Tudo isso está lá, numa porta fechada embora mal trancada. Mas lá está há muito tempo.
Apenas julgo saber, que hoje não serei visitado pelo terror da infelicidade.

Sunday, November 05, 2006

Um dia que se não recomenda

Foi condenado à forca o outrora amigo da América, Saddam.
Longe de mim pretender gastar vela com ruim defunto, mas não é um dia de glória, para quem quer que seja. O sujeito era um facínora, mas nem o Iraque nem o mundo estão agora melhores.
Também deveria estar hoje sentenciado, o embuste engendrado pela administração Bush, em nome de objectivos turvos, se é que tinham algum. Hoje, lendo as diferentes reacções dos governos, ficou mais uma vez á vista, a diferênça civilizacional entre a Europa e o amigo americano.

Saturday, November 04, 2006

Adoro este rótulo


Num mel belíssimo-passe a publicidade- um rótulo extraordinário. Trabalho da Cristina Oliveira e do Sérgio Bernardo.

Mel bio


A obra está consumada. Foram dois anos de trabalho e de mudança do processo produtivo.
Pelo prazer de fazer bem, pela busca quimérica de ter o melhor, aí está mel certificado na producção biológica. Com vaidade, que isso por vezes é util.

Wednesday, November 01, 2006

Finados

Fui a finados, ou seja, levei o meu primogénito pela mão até ao país do musgo verde, das folhas secas e outonais, aonde o ar da serra acolhe a nossa vontade de silêncio. E nessa deambulação dos sentidos, no odor dos pinhos, ele estava lá, orgulhoso do que consegui.