A cozinheira
Assim passaram os anos. Com a morte da Dona Isabel, passou em herança para a casa do filho mais novo, o "senhor engenheiro", em começo de vida com a sua segunda esposa. Mais anos passaram e com eles emigrou para fora de Portugal, acompanhando a luxuosa emigração de um engenheiro reputado. Aprendeu a falar um inglês rudimentar, de modo a bem governar uma cada vez mais luxuosa casa. Os anos seguiram implacáveis, a sua vida foi uma sombra na família até passar a não ter outra. Os dias de folga passaram a ser um transtorno supérfluo. Ao fim de dez anos voltaram a Portugal e compraram uma casa absurda na Linha. Parecia uma casa museu do luxo, um Palace Hotel . Assistiu à impotência do "senhor engenheiro" na sua luta quotidiana com a fatalidade do saldo bancário. A senhora mantinha-se impávida e serena perante o descalabro, numa casa aonde não faltavam doces conventuais à sobremesa e eram frequentes as novidades de decoração e mobiliário. A seguir chegaram os credores, a vergonha de dever a tudo e todos, as portas a fecharem-se umas atrás das outras. Finalmente o "senhor engenheiro" cruzou-se com uma mulher fatal que conhecera há já trinta anos e por ela largou a família e a casa , na esperança de escapar à insolvencia para viver aos sessenta e tal anos o seu idílio. A senhora ficou sem dinheiro nem recursos, apenas com uma mansão para vender por qualquer preço honroso. Durante longos meses, aquela casa manteve-se, mais as suas faraónicas prestações bancárias, bem como todo o seu recheio e faustosos vícios, com a poupança de uma vida de empregada de servir . Ela fazia avios de comida, pagava as contas, enquanto a senhora lá por casa se arrastava , destilando amarguras e vivendo como uma rainha sem trono. Lá chegou o dia em que a patroa arranjou comprador, vendeu, e desapareceu da vista de credores e parentes, com o remanescente da antiga prosperidade.
Da Noémia não sei mais nada. Se a patroa não se desfez dela como da casa, lá estará no seu lugar, ultimo tripulante desde titanic familiar.