Saturday, April 29, 2006

O homem sem ambicões

Era meu primo por afinidade.
Já carregava oitenta e muitos anos, escorreitos .Foi-se a 25 de Abril, ele que era um saudosista dos tempos "da outra senhora". A seu favor, tinha um sorriso maroto e uma integridade de geómetra que lhe permitia sempre distinguir o certo do errado e agir conforme.
Profundamente crente, apreciador da ordem e das coisas que já cá estavam quando nós viemos ao mundo, antigo legionário, este homem tinha todos os ingredientes para não ter nada em comum comigo. Mas tinha.
Largava o seu emprego e corria para os seus amores: a quinta aonde tudo crescia, legumes e frutos diversos, três colmeias, um tanque granítico com um castanheiro à beira e uma vista esplenderosa para a Estrela, ao longe. Esse tempo era a sua unica ambição. Encontrámo-nos aí a semear uns nabos, a colher os ouriços das castanhas, a levar a azeitona ao lagar da Cogula e a beber o azeite acabado de espremer. Éramos igualmente descuidados no vestir e sempre nos contentámos com o que podíamos ter.
Os seus conterrâneos apoucávam-lhe as intenções. Que desprezível é um homem que não veste roupa de marca nem tem um carro que impressione. Que desprezível é um fiscal da câmara sem ambições, logo incorruptivel.
Por isso, os nossos amigos são uns e não são outros.

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