Friday, November 24, 2006

Nas oliveiras

Aos domingos apanho azeitonas. É este o meu desporto outonal entre aguaceiros.
Encarrapitado nas oliveiras, esticados os braços no trânsito arbóreo, eis-me de regresso à condição de primata recolector. No alto das árvores a percepção da paisagem é outra, a disponibilidade mental a falar para dentro impôe a sua respiração própria. Aprecio o correr languido das azeitonas por entre os dedos, os punhados delas, vozes longinquas que batem às portas da memória. O meu vizinho da bufarda, a falar no "fruto que Deus dá", ele que não entrava numa igreja. O meu pai que tirava férias para militar na causa do olival. Era um dever apanhar até á ultima, no meio das ervas ou no ar . E nisso era suave tal como faláva. Dizia da sensualidade das azeitonas, ao correr da mão. Respeitava, ainda que perturbado, o meu vigor juvenil, de vara na mão a varejar. Preferia o silêncio que eu agora reconheço, enquanto vejo o azul da brisa por entre as ramagens.
Neste silêncio eu sei de onde venho.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Nunca varejei as oliveiras. Já era tempo de escola. Mas vindimei muitas vezes e as primeiras deixaram-me os ombros em ferida, dos poceiros.

7:21 AM  

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