Um chá, pelas cinco da madrugada
Esta noite vieste visitar-me, como o não fazias há muito tempo. Enquanto dormia voltei a ser filho.
Entraste sorrateiro, tal como fazias para me mostrar uns versos novos que tinhas congeminado na véspera, desta vez não bateste de mansinho na porta do meu quarto, entraste e sugeriste tomar um chá de cidreira, às dez para as cinco da madrugada. Desta vez não te mostrei os netos, mas desde já te digo que o Zé continua um galo doido, mas já gosta de brincar com palavras, tal qual como nós. O Simão és tu por uma pena.
Estás na mesma, pareces repousado até, lá aonde estás deves fumar umas cigarradas boas, sem ser às escondidas da mãe e dos médicos. Continuam iguais os teus olhos de azul marinho donde sempre vieram as palavras certas para me apaziguar as inquietações de todas as idades. Hoje estou outro, relativisado e com os teus assomos de paciência, mais aparente do que real. Agora sou um filho com rugas marcadas, e tu, pai, sem idade nem velhice, mas sempre com as mãos mais macias do mundo. Às vezes deixo crescer a barba a ver se me pareço contigo, mas não resulta, eu sou mouro e tu celta, nunca consigo ficar com esse teu ar de principe da Baviera.
Como de costume és o ouvinte atento, e mais uma vez, eu esqueço-me de te perguntar como estás, o que tens feito, aonde moras, se és finalmente feliz. Deixo-me estar falando das minhas encruzilhadas, da eterna ausencia de certezas sobre o nosso destino, matéria em que sempre nos entendemos muito bem, ainda que não o soubesses. A propósito, agora reparo, trazes aí o "Em Nome da Terra" do Virgílio Ferreira, o tal, que eu para te picar, dizia ser literatura senil, mas que ia sorvendo às tuas escondidas. Uma coisa me ensinaste, de grande utilidade póstuma, a memória é a unica eternidade que consigo reconhecer.
Não sei se passou muito ou pouco tempo, ainda não clareava quando o teu neto Simão chegou à minha cama para aí fazer ninho, e tu seguiste à tua vida.
Mas eu sei que qualquer dia, por aqui ou por além temos outra cházada.
Entraste sorrateiro, tal como fazias para me mostrar uns versos novos que tinhas congeminado na véspera, desta vez não bateste de mansinho na porta do meu quarto, entraste e sugeriste tomar um chá de cidreira, às dez para as cinco da madrugada. Desta vez não te mostrei os netos, mas desde já te digo que o Zé continua um galo doido, mas já gosta de brincar com palavras, tal qual como nós. O Simão és tu por uma pena.
Estás na mesma, pareces repousado até, lá aonde estás deves fumar umas cigarradas boas, sem ser às escondidas da mãe e dos médicos. Continuam iguais os teus olhos de azul marinho donde sempre vieram as palavras certas para me apaziguar as inquietações de todas as idades. Hoje estou outro, relativisado e com os teus assomos de paciência, mais aparente do que real. Agora sou um filho com rugas marcadas, e tu, pai, sem idade nem velhice, mas sempre com as mãos mais macias do mundo. Às vezes deixo crescer a barba a ver se me pareço contigo, mas não resulta, eu sou mouro e tu celta, nunca consigo ficar com esse teu ar de principe da Baviera.
Como de costume és o ouvinte atento, e mais uma vez, eu esqueço-me de te perguntar como estás, o que tens feito, aonde moras, se és finalmente feliz. Deixo-me estar falando das minhas encruzilhadas, da eterna ausencia de certezas sobre o nosso destino, matéria em que sempre nos entendemos muito bem, ainda que não o soubesses. A propósito, agora reparo, trazes aí o "Em Nome da Terra" do Virgílio Ferreira, o tal, que eu para te picar, dizia ser literatura senil, mas que ia sorvendo às tuas escondidas. Uma coisa me ensinaste, de grande utilidade póstuma, a memória é a unica eternidade que consigo reconhecer.
Não sei se passou muito ou pouco tempo, ainda não clareava quando o teu neto Simão chegou à minha cama para aí fazer ninho, e tu seguiste à tua vida.
Mas eu sei que qualquer dia, por aqui ou por além temos outra cházada.
3 Comments:
Também gosto do que escreves. Começei a ler uma vez que escreveste uma coisa bonita sobre Olhão, é a terra da minhã mãe. O meu avô era pescador mas naufragou duas vezes e depois da última começou a ter alucinações com sereias, teve que se tornar "mestre terra".
~CC~
Essa das alucinações com sereias é romanesco...
Sem duvida... esses ares de Principe da Baviera, de Celtibero sao as memorias que tambem eu tenho do Ze, teu pai.
Um abraco forte
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