Sunday, August 19, 2012

Se Cristo não fosse galileu, seria louro, teutónico.
Isto pensava eu a ver Petar, feições semitas, cabelo liso e escorrido contemplando deliciado o rabanete da sua horta.
Era mais um no colectivo que habitava a floresta de sobreiros com vista altiva para o mar. Eles hirsutos, gadelhudos e barbudos. Elas, umas rolas, outras roliças. Enfim, alemoas, boas.
De volta do monte, carcaças de carros esventrados, carrinhas com sois sorridentes, Atomkraft nein dank, todos livres e libertários, vivendo de papo para o ar rabo ao léu, talvez do ar e do perfume das flores.
Quem não percebia nada disto eram os vizinhos serranos, amigos de se assomarem às moitas circundantes a dar fé do que ali se tramava, no fito de verem as alemoas,boas, e seus alvos traseiros, de uma brancura nívea a que não estavam habituados, eles que apenas se tinham apresentado às achocolatadas brasileiras da boite erma do lado de lá da serra.
Com o fim do dia, estes habitantes saiam da sua letargia diurna, a noite chegava apoteótica, logo rebuliço se instalava por entre uma névoa resinosa de maconha, soando congas e batuques, Nina Hagen no mais melodioso punk possivel, vozearia deles e delas naquela lingua de trapos, cerveja e vinho até se soltarem as gargalhadas, garrafas partidas e fumaça com fartura. Com o andar das horas, madrugada adiante, as gargalhadas dispersavam, espalhavam-se, depois vinham murmurios ciciados, risadinhas languidas, lascivas, até que o galhofar baixava até serem suspiros, gemidos ais. Então tudo serenava e a coruja finalmente pousava no tronco largo do sobreiro, e soava a sua cantiga de flauta do mato.
Pétar não queria saber de alemoas, boas, para nada. a sua dimensão não era carnal, era vegetal. Levava as tardes da sua eternidade a acompanhar os progressos do seu hortejo de microagricultura natural. Num talhão improvisado na beira de um córrego, entre urzes e chaparros, ele possuia um rabanete, três alfaces e duas nabiças que vigiava com exemplar desvelo, a acompanhar-lhes o crescimento hora a hora, a vigiar o aparecimento de alguma lagarta, a sentir energia fotossintética. Os gestos eram lentos e pausados como se todos eles fizessem falta para encher a tarde.
Um dia esta felicidade vegetativa chegou ao seu fim. Os seus camaradas, zelosos curadores dos bons e revolucionarios costumes, resolveram bani-lo, ele não fazia companhia a ninguem e adquirira pulsões capitalistas expressas no seu apego materialista a umas quantas hortaliças encontradas lá no fundo de um barranco.
E assim Pétar virou costas ao seu jardim do paraíso terreal, arrastando a sua figura de cristo incompreendido pelo pó dos caminhos deste mundo.

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