Tuesday, December 26, 2017

O maldito tinha mesmo sido um doidivanas, que arruinou o nome da família para toda a eternidade sem se dar conta de tal, foi no dia em que a cigana Lucinda, mulher graúda e de sensualidade bravia, imanando fogo de giestas e de lume de suas saias rodadas, estacionou na avenida chegada num circo, e após variadas tropelias nocturnas, achando-se despeitada, mexeu os lábios carnudos e em fogo rogou:
- Maldito sejas até ao fim dos dias e que o teu nome não volte a vingar, assim como o sal não deixa vingar a tenra erva.
Não nasceu ele para trabalhar, sendo filho de uma grande fortuna de Trancoso, o boticário José Paulo da Silva, um zé-ninguém nascido em Souto Maior e que emergiu com o liberalismo a poder de trabalho, poupança, e boas companhias politicas, deixou tal pai em herança uma fortuna colossal em numerário e propriedades, à qual os herdeiros António Augusto e José Paulo do Nascimento, deram diferentes fins.
 António era um maçónico filantropo, acreditava nas virtudes da instrução, força libertadora do ser humano oprimido na sua própria boçalidade ignara, à mercê da igreja e dos poderes. Era republicano, laico, socialista, e como tal aplicou a sua herança no ensino voluntário, gratuito e generalizado de todos os que se apresentassem à sua escola. Alguns raros labregos escaparam à sua condição a poder de estudo e leituras, mas o correr do tempo não foi de consolo, encarregou-se de o reduzir à inexistência própria de quem não deixou geração.
Já José Paulo era um epicurista, a política não lhe interessava para nada, nem fazia questão de mudar o mundo, queria era desfrutar da vida, apanhar o Sud Express em Vila Franca das Naves, fosse para Lisboa ou Paris, aonde se ia espantar com as luzes do progresso triunfante, cidade das luzes, dos bons prostíbulos, ir à ópera, cortejar quanto mulherio houvesse, amesendar-se em bons restaurantes, era esta a sua vida feliz. Muito penava sua mulher Leonor, não chegou a velha de tantas ausências e arrelias, nunca se esqueceu dos murmúrios públicos, como o tal em que quase surpreendeu José Paulo, noite fechada na quinta de Pai Penela, em que segundo os falatórios entrou Leonor, enquanto uma amásia saía lesta pelas portas traseiras direita à arramada, descomposta e com peças de roupa em falta, na pressa de se montar em sua égua pigarça e se fazer à Fonte Longa de onde era.
José Paulo do Nascimento aplicou-se em converter metodicamente uma grande fortuna numa exígua fortuna. Finalmente já viúvo, ainda arranjou mais uns quantos filhos, a juntar aos três do matrimónio, os Caçapos, filhos da Rita Caçapa, criada de servir de sua santa e falecida senhora. Quem não gostou da ideia foi a sua mãe, Dona Casimira, viúva do boticário, teimou em chegar aos cem anos, mantendo em si a salvo uma parte da herança do marido enquanto via ser delapidada a outra parte pela voracidade do filho, até o que lhe não pertencia apalavrava de boca.
Foi com alívio que o enterrou em Nossa Senhora da Fresta e suspirou:
- Foi milagre de Nosso Senhor ele ter ido primeiro do que eu, se assim não fosse, os meus netos não herdavam nada.
O nome José Paulo, esse nunca mais ninguém o pôde herdar.










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