O maldito tinha mesmo
sido um doidivanas, que arruinou o nome da família para toda a eternidade sem
se dar conta de tal, foi no dia em que a cigana Lucinda, mulher graúda e de
sensualidade bravia, imanando fogo de giestas e de lume de suas saias rodadas,
estacionou na avenida chegada num circo, e após variadas tropelias nocturnas,
achando-se despeitada, mexeu os lábios carnudos e em fogo rogou:
- Maldito sejas até ao
fim dos dias e que o teu nome não volte a vingar, assim como o sal não deixa
vingar a tenra erva.
Não nasceu ele para
trabalhar, sendo filho de uma grande fortuna de Trancoso, o boticário José
Paulo da Silva, um zé-ninguém nascido em Souto Maior e que emergiu com o liberalismo
a poder de trabalho, poupança, e boas companhias politicas, deixou tal pai em
herança uma fortuna colossal em numerário e propriedades, à qual os herdeiros
António Augusto e José Paulo do Nascimento, deram diferentes fins.
António era um maçónico filantropo, acreditava
nas virtudes da instrução, força libertadora do ser humano oprimido na sua
própria boçalidade ignara, à mercê da igreja e dos poderes. Era republicano,
laico, socialista, e como tal aplicou a sua herança no ensino voluntário,
gratuito e generalizado de todos os que se apresentassem à sua escola. Alguns
raros labregos escaparam à sua condição a poder de estudo e leituras, mas o
correr do tempo não foi de consolo, encarregou-se de o reduzir à inexistência
própria de quem não deixou geração.
Já José Paulo era um
epicurista, a política não lhe interessava para nada, nem fazia questão de
mudar o mundo, queria era desfrutar da vida, apanhar o Sud Express em Vila
Franca das Naves, fosse para Lisboa ou Paris, aonde se ia espantar com as luzes
do progresso triunfante, cidade das luzes, dos bons prostíbulos, ir à ópera,
cortejar quanto mulherio houvesse, amesendar-se em bons restaurantes, era esta
a sua vida feliz. Muito penava sua mulher Leonor, não chegou a velha de tantas
ausências e arrelias, nunca se esqueceu dos murmúrios públicos, como o tal em
que quase surpreendeu José Paulo, noite fechada na quinta de Pai Penela, em que
segundo os falatórios entrou Leonor, enquanto uma amásia saía lesta pelas
portas traseiras direita à arramada, descomposta e com peças de roupa em falta,
na pressa de se montar em sua égua pigarça e se fazer à Fonte Longa de onde
era.
José Paulo do Nascimento
aplicou-se em converter metodicamente uma grande fortuna numa exígua fortuna.
Finalmente já viúvo, ainda arranjou mais uns quantos filhos, a juntar aos três
do matrimónio, os Caçapos, filhos da Rita Caçapa, criada de servir de sua santa
e falecida senhora. Quem não gostou da ideia foi a sua mãe, Dona Casimira,
viúva do boticário, teimou em chegar aos cem anos, mantendo em si a salvo uma parte
da herança do marido enquanto via ser delapidada a outra parte pela voracidade
do filho, até o que lhe não pertencia apalavrava de boca.
Foi com alívio que o
enterrou em Nossa Senhora da Fresta e suspirou:
- Foi milagre de Nosso
Senhor ele ter ido primeiro do que eu, se assim não fosse, os meus netos não
herdavam nada.
O nome José Paulo, esse
nunca mais ninguém o pôde herdar.
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