Moravam os dois sozinhos, em casa aonde nenhuma mulher
entrou, depois que saiu a santa mãe no esquife. Cozinhavam e faziam lume no
chão terroso da casa, dormia cada um em seu catre, mas não no quarto, que ainda
tinha o palhuço do tempo em que o pai lá arrecadava o burro, à falta de
arramada ou outros cómodos aonde agasalhar o animal.
Xico dava ares a ser mais esperto, enquanto Zé tendia a ser
um bocadinho parvo. Não podiam os irmãos ser mais diferentes, Xico já em novo
tinha boa figura, o que lhe valeu os encantos de lavradora, lá para os lados de
Selmes, amores tão assanhados como rápido abreviados, quando o Vargas soube
andar a filha enrabichada por um borrabotas, resolveu a coisa como manda a
tradição dos que já cá estavam, pregando brava sova de correadas na moça e
deixando-a trancada em casa até lhe passarem as fantasias românticas. Quanto a
ele, Xico, deixou-se convencer com o calhafuz do lavrador apontado ao peito e
carregado a zagalotes.
Não voltou Xico a experimentar na vida, aquela palpitação de
âmago que revira as entranhas dos amantes e tempera a existência.
Já Zé não foi contemplado com o dom da visibilidade aos olhos
das mulheres. Era pequenino, farrusco, de cabelo crespo como uma palmeira das
que nascem bravas no barranco. Ainda mal lhe assomava o buço sobre a boca e já
tomava o caminho da cidade aonde frequentava a casa das madames, gastando o
soldo da jornada e ganhando lugar na imortalidade, pela assídua fiabilidade do
seu vício. Sabia sempre escolher a maior que lá houvesse, sempre teria mais
corpo amável, e como desde novo era garganeiro, nela se encarrapitava e fazia
render a noite, horas adiante sem desfalecimento, em trabalhos esforçados, que
se tornaram lendários na memória daqueles lugares. Não era homem de meias
doses, nem meias horas, e só assim alguma mulher pôde reparar na sua existência.
Xico ia à pesca para
o moinho de pernas e de lá vinha algum peixe bem como qualquer coelhito que se
tivesse posto a jeito. No caminho do moinho, aonde semeava abóboras na beira da
ribeira, Xico ia espalhando cigarros pelo caminho para de regresso os ir
descobrindo debaixo das pedras e fumar tais revelações. Os trocos viviam sempre
contados. À tardinha depois da sesta, desciam à venda do Raposo a marcar
encontro com uns tintos. A taberna, cheia nesses tempos áureos, parava para os
ouvir. Xico tinha lábia para o seu número preferido:
- Zéie!
- Hum…- torna o outro
- Sabes contar?- bem sabia ele
- Sêie!
Abrindo a mão cheia
de 2 moedas de tostão:
- Quantas moedas
faltam aqui para um maçinho de tabaco?
E lá aparecia o resto.
Siga o vinho e vá de esfumaçar até ser escuro.
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