José Paulo do Nascimento era um galo doido, assim dito por
seu neto José, simplesmente José, sem Paulo, ao arrepio da tradição familiar
que mandava por o Paulo a todos os varões. Seu neto estava já ao abrigo da
maldição da família, já tinha tido um irmão José Paulo, morto criança em Africa
com as sezões, e ainda assim insistiu e foi pai de um nado morto de nome igual
ao do maldito.
O maldito tinha mesmo
sido um doidivanas, que arruinou o nome da família para toda a eternidade sem
se dar conta de tal, no dia em que a cigana Lucinda, mulher graúda e de apetitosa
que estacionou na avenida chegada num circo, achando-se despeitada, sensualidade
mexeu os lábios carnudos e em seu fogo rogou:
- Maldito sejas até ao fim dos dias e que o teu nome não
volte a vingar tal como o sal não deixa vingar a verde erva.
Não nasceu ele para trabalhar, sendo filho de uma grande
fortuna de Trancoso, o boticário José Paulo da Silva, um zé ninguém nascido em
Souto Maior e que emergiu com o liberalismo a poder de trabalho, poupança e boas
companhias politicas, deixou o pai em herança uma fortuna colossal em numerário
e propriedades à qual os herdeiros António Augusto e José Paulo do Nascimento
deram diferentes fins.
António era um
maçónico filantropo, acreditava nas virtudes da instrução, força libertadora do
ser humano oprimido pela ignorância, à mercê da igreja e dos poderes. Era
republicano, laico, socialista, e como tal aplicou a sua herança no ensino
voluntário, gratuito e generalizado de todos os que se apresentassem à sua escola.
Já José Paulo era um epicurista, a política não lhe
interessava, queria era desfrutar a vida, viajar a Paris, cidade das luzes, ir
à ópera, tocar piano, namorar quantas mulheres houvesse, amesendar-se em bons
restaurantes, era esta a sua vida linda. Muito penava sua mulher Leonor que não
chegou a velha de tantas ausências e arrelias. José Paulo do Nascimento,
aplicou-se em converter metodicamente uma grande fortuna numa exígua fortuna.
Finalmente já viúvo, ainda arranjou mais uns quantos filhos, a juntar aos três
do matrimónio, os Caçapos, filhos da Rita Caçapa, criada de servir de sua santa
senhora já falecida. Quem não gostou da ideia foi sua mãe, que teimou em chegar
aos cem anos, mantendo em si a salvo uma parte da herança do pai boticário e
vendo ser delapidada a outra parte pela voracidade do filho. Foi com alívio que
o enterrou em Nossa Senhora da Fresta e suspirou:
- Foi milagre de Nosso Senhor ele ter ido primeiro do que
eu, se assim não fosse os meus netos não herdavam nada.
O nome José Paulo, esse nunca mais ninguém o pôde herdar.
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