Tuesday, December 26, 2017

Quando eu e o Dick viemos para cá, este era um país calmo, não havia comunistas, o Salazar não deixava.
Temos uma vida pacata, não vemos televisão, não queremos saber dos desmandos deste mundo, das guerras, destes papas inimigos da tradição, da miséria que para aí há. Não pense com isto que me não importo com os demais, toda a vida fui voluntária, na Cruz Vermelha, na Cáritas, na luta contra o cancro que agora me roi por dentro, sei ver a bondade no olhar das pessoas e dar graças por quem me faz o bem. Todos os dias rezo um Pai Nosso pelo meu pai, um santo a quem os comunistas mataram. O Dick faz traduções de inglês, temos pouco dinheiro mas de pouco precisamos, nem casa temos, vivemos num apartamento alugado em Benfica, não tivemos filhos, nem sei bem quem vai ficar com os meus livros, minha companhia de toda a vida. A minha vida agora que me mexo mal, é ler na marquise enquanto fumo, o Dick vai às compras, traz o Daily Mail, já pouco posso sair, são oitenta e três anos, fazemos tempo nem sei bem para quê, talvez nos irmos despedindo um do outro.
Em Génova fui tão feliz quanto infeliz, o meu pai era um homem bom e que bem serviu o Duce, um pai dedicado e carinhoso, não perdoo o que lhe fizeram e à nossa familia a quem espoliaram de tudo. Os comunistas são pessoas más que cobiçam o que é dos outros, não olham a meios para destruir quem tenha alguma coisa, se visse a cara de felicidade, a berraria daquela gentalha mostrando o meu pai morto e dependurado num candeeiro, tal como fizeram ao Duce e à Petacci, gente que andou comigo no liceu a cuspir à minha passagem, que invadiu a nossa casa e levou de lá tudo quanto pode, só deixando excrementos pelo chão. A minha mãe agarrou em mim e na minha irmã, fugimos para casa do tio Matteo no Piemonte aonde nos escondemos até que as coisas acalmassem, quando voltámos a Génova já nada era nosso. Poucos meses depois do fim da guerra a minha mãe faleceu, mais de desgosto que de outro mal qualquer, a minha irmã arranjou namoro com um primo e lá se organizou. Eu cruzei-me com o Dick numa esplanada, era amável, falava sereno em voz baixa e trajava à civil quando não, lhe não teria dado a minha atenção, estava de licença, era soldado de infantaria, inglês todavia. Só casei com ele porque me prometeu nunca ter morto nenhum italiano, apenas esteve a combater alemães.
Hoje é Natal, vamos jantar a casa da Maria de Fátima e do José, levamos uma garrafa de Nocello, têm a amabilidade de nos convidar sabendo que não temos mais família, são muito agradáveis e atenciosos, o filho deles é educado e gosta de conversar com o Dick sobre pássaros, tocamos à campainha e o José aparece sorridente, gravata grená, um firme passou bem com ambas as mãos, tem uns olhos que me não enganam, trata-se de boa gente.

É verdade, apesar de serem das esquerdas são boas pessoas. Feliz Natal!

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