Saturday, April 29, 2006

O homem sem ambicões

Era meu primo por afinidade.
Já carregava oitenta e muitos anos, escorreitos .Foi-se a 25 de Abril, ele que era um saudosista dos tempos "da outra senhora". A seu favor, tinha um sorriso maroto e uma integridade de geómetra que lhe permitia sempre distinguir o certo do errado e agir conforme.
Profundamente crente, apreciador da ordem e das coisas que já cá estavam quando nós viemos ao mundo, antigo legionário, este homem tinha todos os ingredientes para não ter nada em comum comigo. Mas tinha.
Largava o seu emprego e corria para os seus amores: a quinta aonde tudo crescia, legumes e frutos diversos, três colmeias, um tanque granítico com um castanheiro à beira e uma vista esplenderosa para a Estrela, ao longe. Esse tempo era a sua unica ambição. Encontrámo-nos aí a semear uns nabos, a colher os ouriços das castanhas, a levar a azeitona ao lagar da Cogula e a beber o azeite acabado de espremer. Éramos igualmente descuidados no vestir e sempre nos contentámos com o que podíamos ter.
Os seus conterrâneos apoucávam-lhe as intenções. Que desprezível é um homem que não veste roupa de marca nem tem um carro que impressione. Que desprezível é um fiscal da câmara sem ambições, logo incorruptivel.
Por isso, os nossos amigos são uns e não são outros.

Thursday, April 27, 2006

Apiário com serra em fundo

Quadro de criação com abelhas

Nas serras de Alcoutim

Favos de cera branca



As alças enchem depressa com estes calores. Favos de cera branca, gordinhos de mel e cera.

A cresta está a chegar.

Tuesday, April 25, 2006

Abril, um dia...

É sempre um dia especial. E saberemos fazê-lo cada vez mais especial.
Ontem fomos ver o Sérgio Godinho na Praça do Giraldo. Nunca os meus filhos saberão o que custou a liberdade, nem mesmo eu o sei na exacta evidência. Lembro-me bem do meu pai José, em 25 de ABril de 1974. Da sua ansiedade todo o dia, da alegria para além da descrição habitual, do jantar em que colocou a sua melhor gravata para beber e brindar, com o melhor dos vinhos que havia na garrafeira. Brindou á liberdade, à esperança de isto se tornar um país decente. Tive o previlégio de o ver assim feliz.
Por isso me pareçe ser uma boa data para um jantar comemorativo, bem regado, talvez umas favas rituais. Que acham de irmos todos à fava?

Foi assim no São Barão


Até altas horas. Agora só para o ano.

Thursday, April 20, 2006

Colmeias às costas

Vão aquecendo as cores nos campos de Mértola. O verde caminha para os amarelos, os castanhos, os cerros a ficarem cor de camelo. A Primavera começa a sua despedida, este ano vagarosa. Está no tempo de levar colmeias para as serras algarvias, para os campos de Évora, aonde a primavera se demora.

Wednesday, April 19, 2006

A seca maior

Do ano que passou, o da seca maior que já vi, ficaram-me milhentas dívidas e alguns absurdos.
Entre as várias medidas paliativas criadas pelo governo, esteve a suspensão temporária, de seis meses, de contribuição para a segurança social. A ela me candidatei em Outubro e logo deixei de pagar porque estava a ficar sem dinheiro e ainda havia muitos meses por diante, de secura de proventos, até chegar a nova colheita.
Estamos agora em Abril, à beira de recomeçar a colheita e voltar a recompor o saldo bancário. Qual não é o meu espanto, quando reçebo ofício da segurança social a comunicar, que o meu pedido feito em Outubro, para ser deferido, implica o pagamento das contribuições em dívida desde Outubro, mais juros de mora. Fiquei sabendo que esta foi uma não ajuda que parece concretizar-se quando já não faz falta. Agradeço mas prefiro pagar o que falta e ir á minha vida, afinal, temos mais que fazer.

Thursday, April 13, 2006

As amêndoas da Páscoa

Hoje estamos na Páscoa dos cristãos e anunciam-se inacreditáveis pecados da era moderna. Ver televisão, navegar na net, ler jornais, certamente postar em blogs e outros, tudo isto é tempo retirado à leitura da bíblia, em favor da licenciosidade. Parece mentira, paródia de entrudo, mas, consta que o papa, inspirado no passado inquisitorial da igreja católica e nos tempos presentes do Islão mais radical, se prepara para nos dar esta prenda de Páscoa. A prenda da sua dispensável opinião. O que vale é que na Europa, já poucos o levam a sério.

Friday, April 07, 2006

São Barão, à beira do céu

Uma das singularidades da Corte da Velha é o santo padroeiro, o invulgar São Barão. Pois agora é tempo de festejá-lo.
O São Barão passa o ano em cómodos modestos, arrecadado num casebre da aldeia, até ao dia de hoje, em que à noitinha segue em procissão com o povo, serra acima, até à capela , lá no cimo. Amanhã há um almoço no alto da serra com o santo, o povo que aparecer, tudo por lá comendo, bebendo e bailando, perto de céu.

Mau ambiente

Não estou suficientemente informado sobre a polémica que opôe os agricultores ao ministro, e não conheço em detalhe as implicações do assunto. Mas o que sei é que o governo anterior comprometeu-se e contratualizou com os agricultores, e agora aparece um ministro, que até pode ter excelentes razões de divergência em relação a esse compromisso, mas não pode agora rasgá-lo, depois de se terem criado legitimas expectativas, traduzidas em enormidades de investimento já feitas para adequar as explorações agricolas às medidas agro-ambientais. Isto é brincar com a vida de pessoas, não poucas, que já investiram, já se empenharam nos bancos, a contar com um dinheiro que afinal não vem. Por isso este ministro é um acidente grave , uma catástrofe ambiental equivalente à da seca do ano passado. Aguarda-se por limpeza no ministério. A bem do ambiente.

Wednesday, April 05, 2006

De visita ao soba

Eu bem sei que a moral já não é o que era. Que a diplomacia é uma cortina de cinismo. Ainda assim, não arranjo forma de não me enojar com a visita do nosso Sócrates, mais o seu séquito de empresários ávidos, a Angola. Lá manda um soba corrupto, um dos mais corruptos do mundo, na proporção da sua fortuna pessoal, uma das maiores do mundo, num dos países mais pobres. Também do mundo, desculpem a redundância.
E lá estão eles todos, a fazer-lhe salamaleques, a ver se escorre.

Pausa breve

Hoje vai aguaceirando de mansinho. Entre a visita rotineira a alguns apiários, posso permitir-me uma pausa. Na correria dos dias de primavera não sobra tempo. Só a meteorologia me pode dar descanso.

Sunday, April 02, 2006

Tamanhos trabalhos

Fez três anos o meu mais jovem infante. É para mim um dia de glória; afinal, é mais um ano de sucesso a fazer gente, a fazer crescer tamanha doçura, tamanho orgulho, tamanho amor.

Serrão Martins



É um ícone de Mértola.

Chamou-me a atenção esta fotografia, presente em casa das mais variadas pessoas. Vinte e quatro anos depois da sua morte, Mértola lembra a memória de Serrão Martins, primeiro presidente da Câmara eleito em democracia, de quem hoje todos se dizem herdeiros e lembram com saudade.

Foram tempos épicos, aqueles seis anos de mandato. Tempos em que a electricidade chegou a dezenas de aldeias perdidas no tempo, se abriram estradas a caminho da vila, da cidade e do mundo; encostaram-se as carroças das bestas para a eternidade; o mundo medieval cedeu ao avanço da modernidade possível. Tudo isto com simplicidade, com o povo.

Não seria um erudito, mas era, parece, um sábio. Intuiu que o futuro de uma terra daquelas, áspera e de natureza avara, não dispensava homens de cultura e tinha de aproveitar o património histórico por lá abundante. Contribuiu decisivamente para a vinda de Claudio Torres e para a criação do Campo Arqueológico de Mértola. Já lá vão quase trinta anos, e no presente continua a estar a sombra benigna deste homem de ar profético.

Homens assim não morrem nunca.