Thursday, March 23, 2006

Hoje o céu

Dia cinzento, fechado a chover. Vou carregar um apiário num eucaliptal de "malos pasos", árvores a ranger ao vento. Vou chegar lá, virar os olhos ao céu, ao encontro das pingas grossas de chuva, talvez abrir a boca, os olhos. Talvez beber.

Wednesday, March 22, 2006

O meu tio J

O equinócio foi também o dia do meu tio J que aprendi a apreciar com a idade.
Na verdade não sei dele e tenho pena. Telefonamo-nos nestes dias, no Natal, e pouco mais, mas temos conversas profundamente afectivas e genuínas, o que vale.
Não sei o que faz, nem onde vive, ou como sobrevive. Tem sessenta e seis anos e está só. Caíu em desgraça nos bancos, deve dinheiro a meio mundo, divorciou-se. Tem um filho que ainda se sente mais impotente do que eu com esta situação. E uma filha que o ignora em absoluto. Já teve sorte, ou sucesso, ou o que lhe queiram chamar. Pais que o consideravam um prodígio, com um imenso futuro por diante. E chegou a tê-lo. Mas um dia a sorte virou, talvez, finalmente, aquele que sempre tivera feito as escolhas certas, tenha passado a fazer as erradas. Por vezes, a vida tem um momento fatal, um "clic" que deita tudo a perder. Com ele, houve esse momento sem retorno.
Tento forçar um encontro para perceber alguma coisa, saber como está realmente, quem o acompanha, se acompanha, aonde pára. Arranja sempre excelentes desculpas para nunca haver encontro, e sabe-me sempre a pouco aquelas conversas a telemóvel.
Ainda por cima sinto-me impotente, não só para o encontrar, mas também para lidar com a realidade que pode existir.
Do tio J não me resta mais do que boas recordações de um passado próspero, e um número de telemóvel.

Veados à solta

Ontem foi o equinócio da Primavera. Um dia sempre especial, no mato, entre aguaceiros, com o arco-íris a espreitar, catando um ou outro enxame tresmalhado, espreitando veados furtivos a galope pelas serras de Alcoutim. São enormes aqueles bichos, para a dimensão de animais que estamos habituados a ver. Avultam pelos cerros, enquanto correm num ápice a desaparecer-nos da vista . Festejam a sua liberdade nesta primavera.

Friday, March 17, 2006

Vista com soagem


Aparece a soagem pelas serras de Mértola.Não tardará a tudo pintar de roxo.

O rabo do porco

Tive a sorte de nascer e crescer na capital, ter uma infância feliz e mimosa, embora algo isolada. Na aldeia encontrei uma outra realidade, a de homens da minha idade que conheçeram o "tempo da miséria", como eu pensava haver nos romances neo-realistas. Ou nas memórias de velhos neo-realistas.
Havia um lavrador avaro de tudo, parece. Crestava os cortiços, e perante a insistência gulosa dos moços, lá lhes dava um favinho, com abelhas de mistura, para ferrarem a língua dos gulosos e assim os desimaginar. Matava-se o porco, e não havia febra para crianças, nem moleja ou petisco. Havia o rabo do porco, partido em múltiplos pedacinhos, consoante o numero dos insistentes. Eu, na minha infancia distraída, nunca pensei ser o rabo do porco petisco para bocas famintas. Estranho, como por vezes, pode ser feliz a ignorância...

Thursday, March 16, 2006

A maioria presidencial

No pleno exercício dos seus poderes, o presidente Cavaco nomeou para o conselho de Estado gente da sua área política. Está no seu pleno direito, mas logo me vem à memória que Sampaio nomeou, em idênticas circunstancias, Carvalhas e Paulo Portas, com isso querendo dizer que era o presidente de todos os portugueses. Cavaco vem assim dizer, que a maioria que o elegeu não se dissolveu no dia da eleição.

Tuesday, March 14, 2006

A coutada

Não sou caçador, nem tão pouco apreciador, portanto não tenho grande sensibilidade para o assunto. Mas tenho sensibilidade para a justiça ou a dignidade do ser humano, é isso que me interessa neste caso. É também na caça que nos podemos aperceber da imensa desigualdade que vai neste país. Tenho respeito por aqueles caçadores, em vias de extinção, para quem um coelhito ou uma perdiz era um bom complemento da depauperada economia doméstica. Não tenho respeito algum por esses matadores , que usufruem da caça sem dela terem qualquer necessidade, pagando por um dia de caça o que muitos reformados deste país não têm num mês.
Não tenho saudades do tempo em que uma turba multa armada, devassava tudo em nome do prazer de caçar, não respeitando nenhuma propriedade ou pessoa em nome da liberdade,
sem qualquer ordenamento ou disciplina
Nos governos de Cavaco, em nome do ordenamento cinegético, tendo subjacente a matriz ideológica da direita que de tudo faz um negócio , privatizou-se esta actividade.
Passaram estes anos todos, foram, partiram e vieram, governos ditos de esquerda, e nada se alterou. Quem eventualmente poderia precisar da caça , arrumou a espingarda, os coutos como no antigamente salazarento, são para quem tem poder económico ou outro. Pior que isto, não respeitam as populações das regiões aonde se inserem, em nome da tranquilidade da caça fecham caminhos públicos, proibem actividades tradicionais de subsistência como a apanha de cogumelos ou espargos, fazem desaparecer os animais "nocivos" ou os cães das aldeias e tudo isto, em benefício de uma minoria que deveria ser proibida de lá pôr os pés. É o mercado. Como eu odeio essa palavra fútil...
Impôe-se um governo que ponha os poderosos em sentido, que se criem áreas de caça social, geridas pelos municípios, aonde as várias actividades do campo sejam possiveis em benefício de quem lá vive e sem a busca do lucro. E áreas grandes, para que se possa respirar...

Thursday, March 09, 2006

Cavaco presidente

No dia da posse de Cavaco Silva como presidente da República, tivemos cerimónias de estadão, discursos dignos do conselheiro Acácio e fartura de boas intenções. Espero sinceramente que as minhas fracas expectativas sejam infundadas. Viva Portugal!
Tenho dito.

Wednesday, March 08, 2006

Cansaço primaveril



Está aí a primavera nos campos de Mértola.

O rosmaninho floresce um pouco por todo o lado, aonde o mato ainda resista. O apicultor corre por montes e barrancos , ao encontro dos apiários e dos enxames que levantam voo. Os dias são compridos, o sono chega cedo após o jantar e falta tempo e presença de espírito para pensar em algo antes de adormecer.

Por vezes, nesta época, falta-me tempo para encontrar sentido nesta correria. Tudo me parece absurdo. Nesses dias, estou decididamente cansado....

Tuesday, March 07, 2006

Chego do mato

Venho do mato moído. Uns dias contente, outros nem tanto.
Normalmente sou um trabalhador incansável sob pressão do atraso. Frequentemente" estico a corda" do ter que fazer, até à urgência de o fazer. É um jogo perigoso, este de trabalhar nos limites da necessidade. Chego ao ponto de estar sempre atrasado, numa correria louca de apiário em apiário. Também isto é stress., mas este, culpa minha.

Saturday, March 04, 2006

A burla de carnaval

Por mais tempo que viva, fico sempre surpreendido com o modo crédulo, para não dizer outra coisa mais feia, como as pessoas se deixam enrolar em burlas evidentes.
Lá pelo baixo alentejo, o povo ocorreu aos milhares a um " negócio " formidável, que circulou de boca em boca, por amizade precária, e que levou muitos a irem a Espanha, com a justificação de que cá, tal negócio era ilegal. Lá foram eles a um hotel próximo de Huelva-longe da vista das nossas polícias e ao abrigo do desconhecimento por parte das policias espanholas- depararam com imensos portugueses e só portugueses, muitos conhecidos e vizinhos das suas terras, acompanhados pelo amigo que os levou. Dentro do hotel, encontraram uma seta que dizia "milénio", entraram numa sala ampla com televisores a cada canto, seguranças de cabeça rapada lembrando porteiros de discoteca e então, perceberam bem ou não, ao que iam. Era necessário desembolsar 2000 euros( dois mil!) como uma espécie de jóia, e depois ir angariar mais "amigos" para lá irem fazer o mesmo , e assim receber 500 euros por cada um. Os rebeldes que colocavam questões inconvenientes , eram convidados a sair ou sacudidos da porta para fora e , como isso são, ao que parece, procedimentos normais na noção de democracia do povo, a maioria acorreu entusiasmada a subscrever aquela oportunidade de vida. Alguns diziam ter ido ao banco pedir crédito para tal investimento e consta, que estiveram lá militares da GNR e até um jovem advogado, a investir.
A minoria que não se precipitou no negócio, foi abordada um a um, e alguns, perante a recusa em aderir, foram interpelados em tom quase ofensivo.
Naquele dia, teriam caído uns trezentos papalvos. Já tinha havido um dia antes , e um fim de semana anterior.
Aonde estarão hoje os promotores desta iniciativa designada "Milénio"?
E por aqui se percebe a realidade deste país comezinho que consome a sua atenção vendo novelas televisivas e considerando que a política, ou o estar informado, são grandes porcarias que não interessam a ninguém . A demissão do sentido crítico, do pensamento livre, da cidadania, são elas um caminho aberto a todos os "Milénios" possíveis. E pior que tudo, com esta argamassa social florescem todos os fascismos.

Friday, March 03, 2006

Penha D'aguia


A Penha d'Águia é um reservatório da natureza em estado puro. Encostas escarpadas sobre o Guadiana, cobertas de alecrim e rosmaninho, rebanhos pelos ermos e o vento a levar-nos longe a vista.

Thursday, March 02, 2006

Passaradas

Todas as manhãs, no parapeito da janela que dá para o galinheiro, sou acordado pelo assobiar dos estorninhos.
Já chegaram as andorinhas, vindas das áfricas. Tudo isto seria muito mais bonito sem a suspeição de que tais ofertas da natureza possam vir contaminadas.