Vicente e Virginia desfrutavam da sua gloriosa nudez,
enquanto colhiam laranjas em sua propriedade, indiferentes ao trolha que lhes
fazia os acabamentos no telhado da casa, e muito se distraia com aquela
ausência de vergonha, em prejuízo obvio do andamento dos trabalhos, digamos que
seriam não lavradores, mas tão só, recolectores dos prazeres da vida terreal,
da carnal não sabemos, apenas supomos, como o trolha.
Ela chegou no seu carro diretamente dos frescos da Flandres,
em busca do sol e de pessoas afins. Vinha impregnada de certezas sobre a
naturalidade saudável do crudivorismo vegan, sedenta de sol e mar que lhe
tingissem um pouco as maçãs do rosto e trazia vastos confortos na conta
bancária de rica herdeira.
Ele sobrevivia de fazer pão e de negócios de ocasião, melões
de Odivelas, cerejas do fundão, iguarias que vendia pelas praias, enquanto
discorria sobre os benefícios da alimentação natural, do fabrico caseiro da
pasta de dentes com argila, das delicias de dormir na rua nas noites de julho,
ter um pomar que lhe acudisse á velhice de frugívoro, a ténue esperança no
aparecimento de alguma improvável companheira.
Encontraram-se à esquina
de um enorme sobreiro a cuja sombra
Vicente era devotado, ela tinha vindo procurar uma ervanária naquele vasto
deserto arborizado e lá se demorou em conversas que depressa as evidências do
coração conduziram à sua alma gémea. O amor estava ali deitado em slipes
castanhos, na esquina do sobreiro, esperando por ela.